Um Homem Invictus
A outra forma de reagregar o país dividido foi a decisão de Mandela de incentivar a conquista da Copa do Mundo de rugby pela seleção sul-africana, no ano em que a sede do evento seria a África do Sul. A divisão racial tinha levado os negros a identificar a seleção nacional como um símbolo da supremacia branca, o que os fazia torcer sempre pelo adversário em campo.
Uma história dessas não poderia deixar de virar filme. E no filme chamado Invictus, de Clint Eastwood, conta-se como Mandela planejou a nova sociedade sul-africana, dentre outras formas, usando o esporte como elemento unificador. Numa cena marcante, os jogadores da seleção sul-africana visitam o lugar onde Mandela esteve preso. Ali, o capitão da equipe se pergunta, Como alguém passa tanto tempo na prisão e ainda sai disposto a perdoar todo mundo?
A reconciliação foi uma escolha racional de Mandela. Na cela apertada, seu espírito voava. E ali, ele decidia ser o senhor do seu destino. Costumamos desresponsabilizar o indivíduo e criminalizar a sociedade. Claro que as estruturas sociais deixam poucas opções ao sujeito discriminado e marginalizado social e economicamente. Mas ainda há chances de escolhas e a consequência delas não pode ser creditada unicamente ao presidente, ao delegado, ao pastor, aos amigos, ao diabo.
Mandela, representado com a dignidade principesca do ator Morgan Freeman, recitava para si, na prisão: “Eu sou o senhor do meu destino, eu sou o capitão da minha alma”. Em diversas oportunidades, nossas escolhas revelam o que queremos ser e o que devemos fazer. E até onde estamos dispostos a ir por nossos propósitos e princípios.
No país que esperava vingança, ele dava o exemplo de justiça. Embora tivesse defendido o enfrentamento armado durante parte de sua vida de luta contra o regime opressor, ele não foi derrotado pelas algemas do apartheid nem pelo revanchismo nos tempos da cólera racial. Por isso, tornou-se um homem invicto.
Respondendo à pergunta, Como alguém passa 27 anos na prisão e sai disposto a perdoar?
É que, em tempos de ódio e intolerância, não há gesto mais revolucionário que o perdão.
(Joêzer Mendonça, Nota na Pauta)